quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Música clássica ocupa 6º lugar na preferência dos soteropolitanos

Ao ligar o rádio, muitos soteropolitanos ainda se surpreendem ao encontrar uma estação que só toca música clássica: a Vida FM 106,1. De forma semelhante, a pesquisa do CORREIO/Instituto Futura, publicada domingo, também causou surpresa ao captar a força que esse gênero musical tem hoje na capital baiana.

Apreciada por 3,8% dos entrevistados, a música clássica ficou em 6º lugar no gosto geral, à frente do rock (3,2%) e do pop rock (2,3%). Se esses dois últimos gêneros fossem unidos, ela perderia uma colocação, mas ainda assim ficaria na cola do samba (4,2%) e do axé (4,3). Além disso, continuaria batendo o hip hop (2,3%), a música eletrônica (1,3%), a bossa nova (0,5) e o jazz (0,3).

O resultado deixou especialistas da área espantados. “É uma excelente novidade, um resultado muito importante!”, comemora o maestro Ricardo Castro, 46 anos. Ele imaginava que a distância entre a música clássica e gêneros mais midiáticos fosse maior. “Quero crer que a chegada do Neojibá ajudou a provocar esse novo interesse”, diz ele, que desde 2007 coordena esse projeto de criação e manutenção de orquestras jovens na Bahia, inspirado no modelo venezuelano El Sistema.

Sem Barreiras Maestro, compositor e professor da Escola de Música da Ufba, Paulo Costa Lima, 56, também se diz impressionado. “Apesar de que eu já sentia que o interesse andava aumentando. Em 2010, por exemplo, tive um programa na rádio Metrópole, em que eu apresentava Beethoven e Bach, misturado com música de candomblé, e ele foi muito bem recebido”.

Tanto Ricardo Castro quanto Paulo Costa Lima ressaltam como a música clássica em Salvador tem rompido limites de classe social, escolaridade e faixa etária. De acordo com a pesquisa do CORREIO, esse gênero ainda atinge, sobretudo, as classes A/B (6,1 %). Mas, proporcionalmente, ele de fato não está tão longe das classes C (4,9%) e D (3,1%). Os resultados mostram que ouvintes com mais de 60 anos são maioria (7,4%), mas adultos jovens, de 30 a 39 anos (4,9% ) e de 20 a 29 anos (3,7%), também são fãs de concertos.

O nível de escolaridade tampouco chega a ser grande impedimento: entre os amantes de Villa-Lobos (1887- 1959) e outros compositores eruditos, 6,7% passaram por um curso de nível superior, enquanto 3,9% possuíam ensino médio e 2,5% tinham ensino fundamental.

“A preferência musical tem muito a ver com oferta. Muitas vezes a pessoa só ouve pagode porque é só isso que chega até ela”, afirma Ricardo. Com as ações do projeto Neojibá, que dá formação musical a jovens de baixa renda e promove concertos a preços populares, ele acredita que o acesso à musica clássica tem se democratizado. “A gente atinge classes C e D. Sem falar que a maioria dos nossos músicos, a priori, não se interessaria por música clássica. São jovens da rede pública de ensino, não são Maristas. E mesmo assim são os melhores do Brasil, sendo elogiados no mundo todo”.


Boas apresentações difundem a música clássica na cidade

Difusão
Assim como muitos soteropolitanos, Ricardo e Paulo elogiam a iniciativa da rádio Vida FM 106,1, que desde junho de 2010 toca apenas música clássica. Pertencente à Fundação Dom Avelar Brandão Vilela, ligada à Arquidiocese de Salvador, a rádio representa a Rede Vida (rede nacional da Igreja Católica).
“Nossa escolha pelo clássico tem a ver com pesquisas que fizemos sobre a boa aceitação do gênero em Salvador”, informa José Trindade, 67, assessor especial da Fundação Dom Avelar.

“Sabemo também que, na França, por exemplo, há uma recomendação para que os motoristas ouçam música clássica para evitar o stress dos engarrafamentos. E como aqui também sofremos muito com o trânsito, a nossa rádio vira uma opção ideal”.

José adianta, porém, que, em 60 dias, a Vida passará por uma reformulação, ganhando programas e locução. Por enquanto, as músicas são tocadas ininterruptamente, sem apresentações. Outros gêneros, como MPB e jazz, também ganharão espaço na programação, mas a música clássica continuará em destaque.

E se os concertos hoje estão melhor difundidos por rádio, ou pela internet - a exemplo de ações promovidas pelo projeto Oficina de Composição e Interpretação de Música, idealizado por Paulo Costa Lima -, em Salvador há também uma boa programação de apresentações.

Hoje mesmo, às 20h, a Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba) apresenta no Icba, no Corredor da Vitória, um repertório de música de câmara, tocando compositores como Haydin (1732-1809) e Mozart (1756-1791). No sábado, a Osba participa, às 18h, da Jam no MAM, no Solar do Unhão.

Já a Orquestra Sinfônica Juvenil da Bahia, principal grupo do Ne
ojibá, faz na próxima quarta um concerto no Teatro Castro Alves, interpretando obras de Wagner (1813-1883) e Tchaikovsky (1840-1893).

Popularização
Diante do cenário favorável à música clássica, os maestros Ricardo Castro e Paulo Costa Lima acreditam que o gênero vai se popularizar ainda mais.
“Podemos subir mais nessa lista aí!”, garante Ricardo. Ele lembra que, na década de 50, o gênero era sucesso na cidade, lotando o teatro do Iceia, no Barbalho. “Hoje a gente está recuperando terreno e de uma nova forma. Naquela época, nem todos os segmentos da sociedade tinham acesso a concertos como hoje”.

Paulo, por sua vez, sugere que uma nova pesquisa seja feita daqui a quatro anos, para que a evolução seja mensurada. “O desafio é também formar um cidadão ouvinte, que tenha maturidade e consciência crítica. Com isso ele vai rejeitar mercados apelativos e rasteiros”, opina.

ARTIGO

Escuta só o que diz Alex Ross, por Hagamenon Brito

O que você entende pela expressão música clássica? A mais sofisticada de todas as músicas? A mais antiga? A de melhor gosto estético? Bem, para o conceituado crítico americano Alex Ross, 43 anos, especializado justamente em música clássica, a expressão é uma obra-prima de publicidade negativa, “um tour de force antipropaganda”.

Colaborador da revista New Yorker desde 1996 e grande ensaísta, Ross é uma dessas mentes jornalísticas originais, cujos textos provocam cócegas criativas na cabeça do leitor. O primeiro ensaio do seu livro Escuta Só - Do Clássico ao Pop (R$ 49,50/398 páginas), que a Cia das Letras lança no Brasil, trata justamente da sua ojeriza ao termo música clássica

- “Eu odeio ‘música clássica’: não a coisa, mas o nome. Ele aprisiona uma arte tenazmente viva no parque temático do passado. Elimina a possibilidade de que música no espírito de Beethoven ainda possa ser criada hoje. Há pelo menos um século, a música tem sido escrava de um culto elitista medíocre que tenta fabricar autoestima agarrando-se a fórmulas vazias de superioridade intelectual”.

Brilhante! Com certeza, Alex Ross adoraria ver concertos de orquestras jovens como a Simón Bolívar, da Venezuela, e a Neojibá, de Salvador. Neles, esse tipo de música escapa de qualquer sentido de grandeza mumificada no tempo.

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